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O papel dos pais na transferência infantil


(Imagem 1/20)

Em análise de crianças nos deparamos com diferentes transferências. São partes integrantes do processo a transferência do analista, da criança e dos pais da criança, sendo estes últimos, parte também do sintoma e da cura da criança. É neste contexto que apresentaremos este estudo, o reconhecimento da transferência dos pais no processo de análise da criança.

As pessoas que estão ao redor da criança e que fazem parte de seu mundo, é que geralmente queixam-se dela. Nestes casos, é comum o pai trazerem seus filhos para a análise. Mas se permearmos o sentido da transferência será possível identificar que são os pais que escolhem o terapeuta e que decidem pelo tratamento, estabelecendo-se assim uma transferência dos pais em relação ao analista, permitindo a entrega de seus filhos ao cuidado desse profissional, que em um primeiro momento é um estranho, ao qual se supõe um saber que promoverá a cura dos sintomas apresentados pela criança que, por sua vez, revela a dinâmica familiar.

Assim como os primeiros contatos são com os pais da criança, pode-se falar que a transferência inicial é a transferência dos pais em direção ao terapeuta, sendo esta a ocorrência mais comum nas análises infantis.

Podemos considerar como exemplificação desse argumento o texto “Análise de uma fobia em um menino de cinco anos” de Freud (1909), em que o pai do referido menino, um dos adeptos de Freud, entrega a este o material que constituiu a análise dessa criança que foi relatada em seu artigo. O pai de Hans possuía grande consideração por Freud, confiando a ele as observações sobre a vida de seu filho, portanto estava estabelecida uma transferência positiva, que inicialmente foi instaurada pelo pai da criança para com o analista.

As crianças possuem grande sensibilidade para assumirem os sintomas e a angústia específica de seu grupo familiar. Assim, em uma terapia infantil, o paciente não irá apenas se confrontar com suas dificuldades e conflitos, mas estará ainda imersa naquela cultura emocional de sua base familiar que a fez ficar doente e, se esta última puder se modificar necessitara de ser ajudada para permitir a criança progressos e mudanças evolutivas.

Os pais podem ser ajudados através do tratamento de seus filhos, por intermédio da criança, graças à transferência que estes elaboram via crianças e pelo retorno que estes podem lhe proporcionar. A transferência dos pais se inicia desde da escolha pelo terapeuta, autorizando seus filhos a estabelecerem uma nova vivência, possibilitando uma verdadeira abertura na dinâmica pais-filhos, permitindo a cada um ocupar seu lugar de forma mais adequada. Assim a transferência dos pais pode ser utilizada para rearrumar os lugares na dinâmica familiar.

A transferência na psicanálise infantil constitui um campo múltiplo, onde estão envolvidos as crianças e seus pais, e este campo ainda pode se apresentar dividido, ou seja, enquanto um pai pode se encontrar em uma transferência positiva, o outro pode estar em transferência negativa. É neste campo que o terapeuta deverá circular. Torna-se quase impraticável a realização do tratamento psicoterápico de uma criança desconhecendo a palavra dos pais, seus sentimentos em relação a criança, e portanto, sem que estes estejam incluídos no nível transferencial.

Na psicanálise infantil sempre temos que lidar com a presença a interferência, e a transferência dos pais do paciente. Mesmo os profissionais que não a consideram importante tem de lidar com essa situação, já que são os pais que procuram o tratamento para o filho(a). Na maioria dos casos, a analista é procurado pelos pais independente do desejo da criança, e muitas vezes sem o seu conhecimento.

Assim a terapeuta irá conhecer e ouvir sobre a criança através da visão dos adultos, suas preocupações, angústias e expectativas relacionadas ao sintoma que ela apresenta. Não existe analista de crianças que não tenha passado por essa experiência e que não tenha tido contato algum dos familiares do cliente, esta é uma condição intríseca ao tratamento de crianças, ou seja, o contato com os pais, seja em grau maior ou menor, e que suscita a transferência para com o analista.

A criança necessita, por exemplo, de seus pais para cumprir horários, principalmente no que se refere a crianças pequenas, elas ainda, não possuem poder para decidir quanto à possibilidade de faltar às sessões, assim como também não pagam o tratamento e não decidiram realizá-la, como também está privada de interrompê-la ou concluí-la. Estas questões normalmente são realizadas pelos pais.

Portanto, a forma como os pais se posicionam é um fator determinante no processo terapêutico do paciente infantil. A criança é um membro de uma família estando relacionado com a totalidade do que ocorre nela.

Quando os pais não são incluídos de alguma forma no tratamento de seus filhos, pode-se ter algumas surpresas como no caso de pais, que sentem como se o seu narcisismo tivesse sido ferido ou tentam negar a sua culpa, podem procurar sabotar o tratamento com uma ação potencialmente contra o trabalho analítico fazendo, por exemplo, com que a criança se atrase ou falte ás sessões. Nestes casos esses fatores devem ser elaborados para que o tratamento possa se realizar eficazmente.

Entretanto, quando se permite ver eventualmente os pais se realiza um trabalho significativo com eles, no sentido de coletar informações sobre suas angústias, diminuindo suas ansiedades e possibilitando a elaboração de suas transferências positivas ou negativas, na maior parte mista, que normalmente são demonstradas por eles claramente. A recusa ou distanciamento em atender a essa necessidade dos pais pode prejudicar o desenvolvimento da análise da criança.

Faz-se necessário ter um espaço de escuta dos pais das crianças para tornar possível a realização do trabalho analítico. Caso o analista não esteja atento a fala dos pais e não possibilite a manifestação do inconsciente destes, o analista corre o risco de ficar surdo à própria fala da criança É de grande importância buscar identificar a demanda dessa procura psicológica, isto se deve ao fato de que muitos adultos querem que o analista resolva situações, sintomas, angústias que, em muitas ocasiões preocupam mais a eles do que a própria criança.

O psicanalista é o profissional pelo qual se recorre depois dos dissabores, fracassos, ilusões perdidas, aquele em quem se pode confiar, mas que também pode ser utilizado para reavivar rixas pessoais. Assim a transferência que os pais trazem podem se tornar ao mesmo tempo o motor e obstáculo para que essa se realize.

Conforme se afirma à existência da transferência dos pais com o analista de seu filho, se torna evidente a importância de um espaço onde ela possa ser elaborada e processada, e esse espaço deve ser colocado de forma clara e legítima para os pais. O manejo dos pais e de seus sentimentos para com o analista é uma questão importante para o tratamento das crianças
Inicialmente os pais, podem chegar com sentimentos de culpa pelo estado de seus filhos, e estabelecerem uma transferência positiva com o analista, demonstrando-se cooperativos e dispostos a se comprometerem com o tratamento que se seguirá.

Contudo o analista não é um cúmplice e necessariamente um amigo, ao qual esses pais podem ter idealizado. No decorrer do tratamento o paciente pode passar a ter comportamentos tidos como inconvenientes para seus pais, como se a criança, estivessem se libertando de sua dependência emocional, ou fazendo com seus pais vejam suas própria dificuldades, que alimentava o sintoma de seu filho. Pode ser difícil para os pais lhe darem com esse tipo de situação, e tentarem negar o que está ocorrendo, transferindo para a figura do analista sua hostilidade, por não ter sido o profissional que transformou o seu filho no que era esperado por suas expectativas pessoais.

Quando os pais tentam manipular e controlar seus filhos através do analista, solicitando essa “ajuda”, este pode ser um dado importante sobre a dinâmica dessa família e das necessidades inconscientes dos pais que estão procurando se realizar através de seus filhos. Esse fator que pode parecer, por um lado, um obstáculo ao tratamento, por outro pode ser usado como material a ser trabalhado, fornecendo ao terapeuta uma oportunidade de denunciar esse tipo de conduta dos pais e fazer com que reflitam a respeito.

O analista pode se tornar um objeto transferencial dos próprios pais de seu paciente, isto se deve ao fato de que para muitos pais, procurar um tratamento psicológico para seus filhos significa que eles falharam em sua paternidade e maternidade. Eles passam a atacar suas próprias falhas que criticaram em seus pais e suas mães. Assim tal como os pais e mães dos pais da criança, o analista é odiado ou amado, e esperam dele afeição ou hostilidade

As crianças normalmente apresentam sintomas em lugares que são insuportáveis para seus pais, sendo então, freqüentemente dirigidos a eles na busca de se fazer ouvir, fazer com que prestem atenção nela. O sintoma é a expressão de um desejo que foi reprimido, podendo ser utilizado pelos pais incoscientemente para pedir análise.

Por outro lado, pode demonstrar algo que ficou bloqueado no desenvolvimento da relação inconsciente da criança com seus pais. O analista deve permitir a transferência das pulsões do passado para que reapareça na análise o que foi reprimido e está causando os problemas atuais. E no caso de crianças, ressalta-se que, se deve permitir que sobrevenha tudo o que o sujeito em formação não teve no curso do seu desenvolvimento.

Não é possível se omitir o papel dos pais no processo do trabalho analítico, uma vez que, são eles que iniciam e sustentam a análise de seus filhos, é graças a eles que a criança será trazida ao consultório e os honorários serão pagos. Da mesma forma, eles se fazem importantes no processo de cura dos filhos, uma vez que nas crianças os conflitos não fazem parte somente de um nível fantasmático, mas no nível da realidade. E essa confiança no trabalho do profissional, depende da transferência dos pais para com o analista.

Sendo assim, se na análise de adultos os pais apenas aparecem no discurso dos pacientes, na análise de crianças esses pais surgem com o vigor da realidade. O analista o conhece e com ele estabelece o contrato.

Podemos verificar que os pais possuem um papel significante na transferência infantil, eles se fazem presentes no processo, e suas transferências em relação ao analista podem ser facilitadora do trabalho analítico ou pode vir a dificultá-la, ocorrendo até mesmo uma retirada inesperada da criança da análise, caso o analista não identifique e considere a transferência dos pais do paciente, estabelecendo uma escuta do que esses pais trazem e do que lhe é tão difícil de ser elaborado.

Pode ser comum aos pais expressarem ansiedade sobre análise de seus filhos, e que, sentimentos de competição, possessividade e de culpabilidade surjam durante o processo. Ao se reconhecer esse papel dos pais, consegue-se perceber o que o paciente testemunha na vida do casal parental, que está sendo exibida pela sintomatologia da criança, e a forma como esses pais sentem-se diante dessa situação poderá ser esclarecida.

Portanto, o reconhecimento do lugar dos pais no processo psicoterápico de seus filhos constitui um importante aspecto a ser considerado na clínica infantil, e como foi apresentado neste trabalho, se faz fundamental reconhecer a transferência destes em relação ao processo, ou seja, ao se identificar, esclarecer e elaborar as transferências que surgem, se possui a possibilidade de evitar um fracasso no trabalho analítico, podendo utilizá-las para o benefício do tratamento da criança e o reconhecimento, por parte dos pais, de suas próprias dificuldades.